Concretamente, uma tesoura é uma ferramenta de auxilio, mas simbolicamente pode ser algo que corta, retira, poda, censura, machuca… pode-se também transformar uma tesoura em borboleta, pato, monstro, árvore, pessoa…
Na arte, os significados transitam no mesmo plano por onde também passam o sublime e o diverso. Através dela, significados comuns, ordinários, tornam-se particulares, extraordinários, porque representam os sujeitos que os resignificam.
É a arte que nos instiga à contemplação subjetivada de suas manifestações. Na sequência, vale se pensar que são os sujeitos instigados pela arte que dão significados e. por sua vez, são os significados que nutrem a arte
Uma tríade em movimento constante:
Estamos vivendo a falta de sujeitos e consequentemente pouca subjetividade em nossos dias. O mesmo acontece com a particularidade. Me dei conta de como ela anda escassa… hoje tudo se compartilha, tudo é exposição, mas nada significa realmente.
Nossas crianças, aprendem conosco a viver para o externo e assim todos somos apenas o que parecemos ser. Tudo parece, mas nada precisa ser realmente.
Deixamos para a tecnologia a responsabilidade de nos fazer melhores nas fotos, na saúde e no que temos para dizer.
Amplia-se a concretude e com ela perde-se a multiplicação dos significados. As coisas são o que capta a retina ou o que dita o senso comum. Portanto, os significados não mais se sujeitam aos indivíduos, são os indivíduos que se sujeitam aos significados determinados pelo que veem, escutam e assistem. Esse é sem dúvida um quadro preocupante, mas muito facilmente revertido pela arte.
Quando em algumas aulas foi proposto para as crianças concederem novos significados para objetos comuns, como: canetas, tesouras, garfos, celulares… acho que algumas crianças se confrontaram com o medo de perderem a suposta segurança que o óbvio oferece. Talvez tenha sido o medo de abrirem uma janela para a transformação e serem sugados para a imprevisibilidade da própria imaginação. Outras, e felizmente foram muitas, se lançaram nesse universo que fertiliza a arte e que nos garante olhar a vida por muitos ângulos, desenvolver opiniões, expressar medos e desejos, além de apreender o conhecimento que realmente vale a pena.
Essa proposta foi apresentada para grupos socioeconômicos bem diferentes e a diversidade de soluções esteve presente em todos os grupos.
A menina que fez esse desenho é moradora de uma favela violenta no Rio de Janeiro. Nessa comunidade, há uma punição; um alerta determinado pelo tráfico às meninas e mulheres que não cumprem as regras impostas: Raspam a cabeça das vítimas.
Nesse desenho, essa aluna não modificou totalmente a função do objeto, no caso a tesoura. Integrou-o através de uma sucessão de sobreposições de imagens e fez algo mais importante: expôs a sua indignação, seu medo e angústia através da arte. Afinal, porque apenas mudar a função do objeto? Ela tem toda razão, nesse caso, basta lhe dar significado.