“Procurar uma função para a arte é uma maneira de impedir o exercício de seu potencial como linguagem autônoma. Há talvez nela, algo que se aproxima ou instiga para uma reeducação do olhar, no sentido de torná-lo mais amplo e ilimitado, principalmente se considerarmos as ações reduzidoras que vêm comprometendo a nossa cultura contemporânea.”
Quando se pensa em arte, parece persistir no imaginário comum, uma espécie de vício, que busca funções e significados para ela. Acredito que quanto mais se amplia a cultura da funcionalidade como regra valorizadora, mais necessária se torna a presença da arte com seus recursos promotores do questionamento e da crítica. Esses recursos, que nos são trazidos através dela, são capazes de contrapor o pensamento atado à funcionalidade, especialmente quando perigosamente a funcionalidade começa a se constituir como maior desejo e a se tornar unanimidade.
Procurar uma função para a arte é antes de tudo um grande equívoco, porém, se considerarmos esta procura como uma intenção premeditada, podemos imaginar que ao ser creditada a ela uma função, cria-se uma maneira de mantê-la sob controle, já que originalmente suas estreitas relações com o descomprometimento e a transgressão, saudavelmente contrariam as atuais e tão recorrentes “metas a cumprir” que regem os desejos e dirigem as intenções da maioria dos indivíduos na sociedade contemporânea.
Assim como a filosofia e a psicologia, também a arte, para que possa exercer e ser exercida na sua plenitude precisa dissociar-se do que é moral, econômico, político, estético e religioso e assim, associar-se ao que lhe é mais legitimo: a liberdade.
Manter-se livre é fundamental para se instigar o também livre desejar, pensar e refletir, de quem com a arte se relaciona, seja autor ou contemplador.
Ocupando um lugar muitas vezes transgressor, a arte se constitui dinamizadora do desenvolvimento de indivíduos e povos, instigando e propondo continuamente tanto a construção como a renovação das identidades, seja de cada indivíduo ou do grupo social que com ela se relaciona.
Sociedades autoritárias, que censuram ou perseguem opiniões e movimentos artísticos controlando suas ações, sofrem um notável empobrecimento nas suas relações, além disso, observa-se em pouco tempo a paralisação de seu desenvolvimento em todos os seus aspectos, especialmente no que diz respeito a sua identificação.
A colaboração da arte em áreas que têm funções sociais como é o caso da educação e da saúde, precisa ser sempre observada com muita atenção e cuidado, para que a arte não se descaracterize, encerrada em recipientes programados ou excessivamente controlados, perdendo assim aquilo que essencialmente a constitui que é a sua “não função”. Apesar de serem a princípio utópicas, as associações feitas com a arte, como o fazem a arte-educação e a arteterapia, acredito que ambas possam se beneficiar ao se aproximarem dela, já que uma das questões que acredito mais importantes na construção de um indivíduo é antes de tudo aceitar a sua relação com suas próprias utopias.