Nos grupos de professores que discuto conteúdos arte-educacionais, seja através de palestras, supervisões aulas ou oficinas, costumo perguntar aos profissionais se realmente sentem prazer em acompanhar o desenvolvimento de seus alunos. Se sentem, de que maneira acreditam que esse prazer se dá?
Pela validação de sua qualidade profissional ou pela validação das oportunidades e conhecimentos oferecidos aos alunos?
Colocar-se no lugar do outro é sempre um bom exercício. Retorna-se ao lugar de origem sempre enriquecido pela diferença. Mas, claro, deslocar-se inteiramente de si mesmo num mergulho altruísta, acredito ser uma missão quase impossível, além de desnecessária e prejudicial pela perda de referências. Por outro lado, apegar-se a essas referências dificulta o exercício de um olhar livre de julgamentos sobre si mesmo ou sobre os alunos. O “certo”, quando ele existe, deve circular entre o professor e os alunos ou até mesmo estar fora deles através de um simples, mas para muitos difícil, “não sei”.
Na verdade o que mais vale é a dinâmica que movimenta posições em aula do que as certezas e a detenção de poder.
Apesar do filtro profissional que precisa estar constantemente ativado enquanto desempenhamos o nosso trabalho, acho que atuamos fundidos à pessoa que somos e que desenvolvemos diariamente, ou nos alternaríamos esquizofrenicamente entre pessoa e personagem, terminando por atuar sem legitimidade tanto na profissão quanto na vida.
Pessoalmente acho muito importante a consciência de que durante o nosso trabalho existe a pessoa e o profissional e que, apesar de muitas vezes se misturarem, podem se resgatar mutuamente de situações fragilizadoras. Isso talvez nos ajude a promover um melhor contato com nós mesmos reverberando positivamente em nossos alunos.
Como educadores temos o privilégio, enquanto cumprimos o papel de facilitadores do desenvolvimento, de poder também assistir ao processo da composição de sujeitos. No entanto, muitas vezes nos mobilizamos ou nos imobilizamos com questões que “abalroam” as nossas próprias identidades, até porque as julgamos “construídas”.
Amedrontados pelas interferências que esses pequenos indivíduos provocam em nossas estruturas, lançamos mão de condutas que podem ser adversas às que acreditamos como profissionais, quando estamos distantes da zona de conflito.
Quando surgem piadas, apelidos ou mesmo demonstrações constantes de impaciência com um ou outro aluno em especial, é urgente promovermos reflexão a respeito, para tentarmos entender o que de tão semelhante ou comprometedor pode ter essa situação ou esse aluno com nós mesmos.
O que na pessoa desse aluno abala a minha estrutura, meus princípios, minhas crenças, a ponto de me fazer produzir um personagem para poder lidar com ele?
Por vezes vemos em nossas crianças, as nossas próprias injustiças, pobrezas, egoísmos, incompetências, violências e podem provocar uma espécie de perda de direção.
Essa “perda de direção” do profissional costuma produzir desnorteamento dos objetivos; isso confirma a importância do acompanhamento de qualquer ação educacional através de supervisões.
Jovens e crianças quando em condições de razoável saúde, seja no meio familiar ou social, se utilizam da espontaneidade ( do seu legítimo), para acessarem a imaginação e assim transformarem experiências as mais difíceis em relações possíveis. Outros, quando emocionalmente fragilizados, podem se anular por detrás de comportamentos mornos ou esquivos, ou pela irreverência, agressividade…Na verdade, tentam ao menos esboçar uma silhueta que ao identifique e proteja.
É sempre difícil de se lidar com crianças que agem assim.
Cabe ao profissional encontrar uma forma de fragilizar essa “persona” para que possa surgir a pessoa, seja pelo afeto, pela descoberta de uma potencialidade genuína, seja ainda pela insistência de um diálogo, ou de tudo isso um pouco.
Crianças e jovens vítimas da violência costumam apresentar uma espécie de anestesia de si mesmo, o que resulta na perda de contato com suas representações legítimas. Vale “massageá-las” de todas as formas (intelectual, afetivo e fisicamente), para tentar tirá-las dessa anestesia.