Um movimento de desapego, em maior ou menor medida parece lançar o indivíduo no vazio, sugere diminuição e provoca a incômoda sensação da falta. Acredito que quando há apego a alguma coisa ou pessoa, possivelmente já foi ultrapassado o limite de uma relação capaz de proporcionar amor, prazer, entendimento, aprendizado, amadurecimento. Não existem ganhos no exercício do apego, apenas a busca de referências que reforcem o conhecido. Uma busca localizada fora do indivíduo, que pode ganhar forma em um objeto, uma atitude, num outro comportamento ou numa outra pessoa. Talvez por isso, quando se perde ou se promove intencionalmente o desapego de algo ou de alguém, este acontecimento pode trazer um sentimento de vazio, devastação ou simplesmente o enfraquecimento de referências que até então promoviam a segurança.
O apego parece mesmo favorecer a conquista de posições sociais ou afetivas, que por algum motivo julga-se fundamental. Desapegar-se de uma posição que se acredita ter conquistado, pode significar para muitos a perda daquilo que, direta ou indiretamente, vinha acenando com algum tipo de ganho.
Comumente escritores, professores e palestrantes recorrem a autores que julgam confiáveis para legitimarem suas produções e alguns até se apoiam tão intensamente nessas referências externas que passam a negar aos seus leitores e ouvintes a chance do contato com suas opiniões pessoais. Ao reduzir suas chances de “correr riscos” também são reduzidas suas oportunidades de ousar e consequentemente de desenvolvimento.
Algumas mães fazem de seus filhos suas únicas razões de vida, outros acreditam que só o acúmulo de bens materiais lhes garante identidade.
O preconceito, por exemplo, parece ter fortes laços com o apego, já que numa visão simplificada ele não renova pensamentos, olhares, muito menos relações. Não aceita misturas e ainda pior, indiretamente, classifica o crescimento como uma perigosa ousadia.
Apega-se à juventude, à beleza, ao poder ou a uma amizade obsessiva, como referências que a qualquer custo se quer preservar.
Há nos indivíduos uma crença na permanência, uma busca pelo definitivo, pelo mito. Mas, se o definitivo pudesse realmente existir, exigiria reformas constantes para tentar permanecer como tal e sabe-se que não há reforma em nada sem que ocorram mudanças. A permanência é, portanto, ilusória, ou simplesmente fictícia, assim como também são os mitos.
Um exemplo da prática do apego, aliás muito comum, e que em geral não provoca incômodo pensar a respeito é a atração pelas coleções.
Colecionar parece confirmar uma determinada posição ou opinião, na qual o colecionador procura manter-se. Cada novo exemplar não apenas aumenta a coleção, mas também reafirma, por repetição o que já é conhecido, fortalecendo um lugar de “equilíbrio” para quem coleciona. No entanto, ao colecionar, indivíduos se mantêm aprisionados por classificações e controles. Restringem a busca focando o olhar sobre um único interesse, que em geral não aceita a diversidade e ocupa quase inevitavelmente um mesmo espaço (criativo, afetivo, intelectual).
Em termos simbólicos, pensamentos, verdades e atitudes, quando colecionadas tornam-se mitos, tiram o viço e a dinâmica de novas conquistas, limitam acervos e envelhecem em conjunto com a falta de reposição oferecida pelo novo e o diferente.
Se por um lado o apego ilude o apegado com possíveis “conquistas”, por outro, o afasta dos verdadeiros ganhos que um espaço esvaziado permite que ocorram.
No universo das opiniões, o desapego tem uma função fundamental, que é a de promover a dinâmica da renovação do pensamento.
Opiniões, em geral cumprem seus papéis, em tempo e espaço próprios, até que outras, mesmo que contrárias, passem a ocupar o tempo e o espaço seguintes. Novas opiniões atenderão a novos momentos, com a coerência que puderem trazer e no instante que surgirem.
A arte se abastece das incertezas, das dúvidas do medo, dos restos desprezados, do que nos inquieta, da diversidade, do impalpável, dos comportamentos e muito fortemente da falta. Acho importante pensar, que essas fontes de abastecimento criativo não são em si objetos de desejo de ninguém (aliás, não são objetos, mas subjetividades), por isso não promovem atitudes de apego. A partir dessas fontes, se multiplicam e se renovam olhares e é com essa capacidade transformadora que, lançado no vazio, um indivíduo é capaz de produzir arte.