* Recorte de diário, dia 10 de agosto de 1998: Hoje acordei com muita dor na coluna, fazendo latejar até a minha nuca. Não há como desconsiderar a relação entre as estruturas que construo em ferro para sustentar a madeira ou o barro e o peso das obrigações, dos compromissos, das metas que venho carregando nas costas. Quanto suporta uma estrutura?
Sei que existe essa forte relação entre a vida e a arte, no entanto, por muito tempo acomodei esse conhecimento como tantos outros que nascem na subjetividade em algum lugar do inquestionável.
Hoje, acredito que se houver exercício do fazer ou contemplar a arte, em algum momento ele irá expor sinais tão fortes dessa relação (vida e arte) que invadiremos o lugar aonde acomodávamos esse conhecimento para vivermos as consequentes e saudáveis mudanças que essas antigas “casas de marimbondo” podem provocar.
Talvez seja por isso que muitos adultos resistem tanto à experiência de contato com a arte. Ela provoca mudanças.
A imposição ou manipulação de valores numa sociedade, como é o caso dos valores produzidos pelo capitalismo, costuma distanciar o indivíduo e a sociedade de suas verdadeiras escolhas. No entanto, com a arte nos reaproximamos de pensamentos legítimos, multiplicamos relações entre assuntos, e esses por sua vez passam a se conectar com outros que surgem, e assim, indefinidamente. Dessa forma, acredito que se articulam os processos criativos.
Alguns desses encontros com a legítima opinião (casas de marimbondo), antes tão bem guardadas em lugares do controle, trazem à luz o frescor do entendimento e da aceitação de determinadas condutas que antes, sem qualquer reflexão, não aceitávamos em nossas vidas. O contato com a legitimidade reduz o sofrimento que costumamos sentir por supostas grandes coisas, sinalizando para a existência de outras direções, outros caminhos.
Na verdade, todo movimento de mudança permeia a estrutura de nossa identidade dando a ela dinamismo e lugar de representação. A arte não só provoca esse movimento como se alimenta dele durante seu processo de renovação constante.
Será que pertenço às minhas opiniões ou a um controle externo que determina minhas escolhas?
Consumimos boa parte do que não desejamos, mas nem sempre conscientes, porque não fomos acostumados a questionar nem mesmo os próprios impulsos, apenas reprimi-los. O filme “Matrix” nos adverte, através de uma linguagem ainda ficcional para a existência de um mundo controlador paralelo. A fragilidade do superficial, que é mantido sem questionamento, costuma nos negar o direito às verdadeiras escolhas.
A ideia de não aderirmos a certos modismos ou não aplaudirmos um senso comum pode nos infringir o castigo do não pertencimento social, principalmente para aqueles que não tenham conquistado uma identidade com um mínimo de consistência que os estruture durante o caminho dessas contestações.
Há um choque entre o legítimo e o pertencimento social, por isso, para pertencer, muitas vezes abre-se mão da autenticidade. Neste espaço criado, entre o desejo individual e o desejo de se manter desejado pelo outro (pessoa ou sociedade), vai sendo construído um universo de contradições, inverdades e inversões. Assim como na modelagem de uma escultura, acredito que também na vida há a estrutura dos desejos e uma massa de possibilidades para se tentar cobrir essa estrutura, podendo seguir ou não seus contornos.
Antes do período em que passei a produzir uma série de esculturas a partir do tema “mergulhos”, fazia uso de um olhar mais externo, que me dirigia para soluções mais técnicas do que conceituais. O tema “mergulho” marca uma mudança, quando passei a buscar soluções no interno, na reflexão para as minhas esculturas. Essa transformação me levou a expor as estruturas das esculturas, fazendo com que elas não apenas cumprissem o papel sustentador de minhas formas para se transformarem nas próprias formas de linguagem.