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Bolinhas de Argila

“…ele tinha 14 anos, mas seus trabalhos na aula de artes eram muito imaturos.”

Quando Matheus experimentou a argila, era visível o seu prazer enquanto apertava a massa entre seus dedos e mãos. Estava ali totalmente envolvido por aquela oportunidade sensorial. Para finalizar, produziu algumas bolinhas soltas sobre a mesa, olhou para elas e resolveu atravessar uma a uma com uma vareta que encontrou entre os materiais do atelier. Parecia querer reuni-las. Chamou de “churrasco”… e parecia mesmo.

Matheus, que eu saiba, não tinha nenhum comprometimento mas aquelas bolinhas que ele produziu eram uma típica característica de crianças em torno dos 3 e 4 anos.

No processo evolutivo das crianças, a fase celular acontece quando nos desenhos elas conseguem deter o movimento das espirais que produzem com o lápis sobre o papel. Tem início aí, o período de realização das primeiras formas; as bolinhas que chamamos de células. Com elas, registram uma conquista: o primeiro contato com um “eu” essencial que vai se tornar referencial. Conquista que irá estruturar todo o processo de desenvolvimento que se seguirá.

As ”bolinhas de massa” que elas produzem nessa fase, podem ser vistas como uma espécie de tridimensionalização das células conquistadas no papel. Células 3D.

Se para muitas crianças entre 3 e 4 anos as bolinhas e os círculos no papel já bastam para registrar o contato que vêm estabelecendo com o próprio “eu”, para outras, mais velhas e com frágil auto identificação as bolinhas parecem indicar o resgate dessa identidade que não pôde ser construída.

Essa retomada de si mesmo, quando é aceita e acolhida pelo mundo adulto, ocorre no tempo de cada um como aliás em todo processo crescimento. O que importa na verdade é que a cada novo passo dado por um indivíduo, durante essa saudável regressão, promove o fortalecimento e a continuidade do seu desenvolvimento como sujeito.

Sobre o “churrasquinho”, feito com as bolinhas de argila, vale observar que comumente a falta de subjetivo resultante do auto desconhecimento, acaba sendo preenchida pelo mundo concreto que é, por sua vez, tão distante da arte.

Na falta de abstração, o mundo concreto “atropela” a arte e a oportunidade de composição de sujeitos.

– Fiz um churrasco!

As “células” esparramadas sobre a mesa devem ter gerado muita angústia ao Matheus. O palito, se não estrutura ao menos reúne. O nome, churrasco, “significa” e quem sabe até apazigua.

Sem a retomada de contato com esse “eu essencial”, para alavancar seu crescimento, Matheus poderia atravessar a adolescência e mais adiante até se ver adulto sem quase nenhum autoconhecimento, mas:

Saberia fazer escolhas?
Teria opiniões?
Que valor daria para o mundo das coisas, o mundo do consumo?
Quais seriam seus reais desejos?
Seria o mundo o grande responsável por suas fragilidades e perdas?
Puniria o mundo?
Enxergaria o outro, ou não iria além de um olhar desfocado sobre ele mesmo?
Enxergaria valor na própria existência e na do outro?

Que conhecimento se desenvolveria num terreno tão pobre de si mesmo?

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